segunda-feira, 16 de maio de 2016

Conselho à Pauliceia

Quero armar uma rede nos troncos,
Das árvores-topetes de tua prefeitura.
E, em plena sexta fazer a sesta depois da cesta de frutas,
Que comprei no Mercadão.
E num enleio curioso, afastar a nuvem carbônica de teu rosto,
Para melhor poder ver-te e apreciar-te.
Apreciar a arte de suas ruas,
Azulejos pintados,
Muros grafitados,
Bêbedos desengonçados,
Gaiatos apaixonados,
Músicos desafinados.
Linhas de ferro que te cortam sem perdão,
E levam, em altas velocidades,
Alienados ao trabalho, ao plantão.
Tua gente não se satisfaz com nada,
Não foge à luta por um mundo melhor.
Protestos no vão.
Protestos em vão.
E tu sambas, bela Sampa,
Alegre ao ver que podes acumular
O capital, que te criou em berço de ouro,
Explorando quem tu vestes de ilusões.
Tu, cidade dos teatros e cinemas,
Cultura burguesa que se vê ameaçada,
Pela arte periférica que te inunda cada dia mais.
Riscos gelados, retos e impassíveis,
Traçam o corpo de seus prédios modernistas,
Que contrastam com a curva delicada e harmoniosa,
Dos casarões que hoje abrigam teus cortiços.
Greves não breves assombram o futuro de suas mentes infantis,
E pregam a ignorância futura nas mentes ainda não nascidas.
Colocas, tu, sua máscara benigna,
Com as esperanças enraizadas do Ibirapuera,
Com a gastronomia de fazer inveja à França,
Com belíssimas catedrais que fazem vidrar os olhos dos fãs católicos,
Para todos passarem sem ver realmente quem és tu.
Para não verem os mendigos que,
Sob viadutos, pontes, e teu imenso desprezo,
Ajeitam papelões e jornais para sonharem com um mundo mais igual.
Não espero de ti o sonho feliz de cidade,
Mas espero um sonho: cidade feliz.
Que tu possas, nesses mais de quatrocentos anos,
De uma vida dedicada ao lucro,
E à Belle Époque que nunca se instalou em ti,
Ainda se recuperar e virar esta página infeliz do seu livro de memórias.
Tu, terra da garoa,
Em parte ruim, em parte boa,
Com seus erros e seus acertos,
Faz-nos dependentes de sua existência.
Apesar de tudo,
De todos os seus avarentos,
De seus tão tristes momentos,
Eu bem que ainda tento:
Dizer tudo isso por que te amo São Paulo.
Faça-te digna do nome de teu santo.
Assim como Paulo abriu os olhos a Deus,
Abra bem os olhos, e olhe para os habitantes teus.





terça-feira, 3 de maio de 2016

Capitolina

A Machado de Assis


Oh! Flor do céu! oh! flor cândida e pura!
Que Deus, no mundo, colocou sem medo,
Rosto esculpido em pedra de ternura,
Obliquidade que esconde segredo

Nos olhos teus, onde a habita a doçura,
Tens, tu, do mar, a cópia, no enredo,
Consome o tempo, abocanha a figura,
Na tua ressaca, pois, eu me embebedo

Não te podes defender-se do marido,
Que, de ti, muitas falácias espalha,
Por parecer, do ciúme, preenchido

Contudo deixa-te viver com falhas.
Penses que nem tudo está desvalido:
Ganha-se a vida, perde-se a batalha.