Andando pelas ruas da cidade, cada dia
percebo algo novo que, ora transformo em poesia ou crônica, ora guardo
secretamente no coração como uma lição de vida. E hoje, ao passar em frente ao
13º regimento de cavalaria de minha cidade, deparei-me com uma cena quase nunca
percebida pelas pessoas apressadas que, driblando o tempo, o dinheiro e a felicidade, são capazes de tudo para
fortalecer esse sistema capitalista desumano que se encontra numa forte crise:
um soldado, em sua torre octogonal observava a vida da rua.
Incumbido, por alguém
de cargo militar superior, a fixar sua visão sobre a parte externa do
regimento, agindo caso houvesse alguma tentativa de invasão, o que acho um
tanto quanto insana, visto que ninguém em sã consciência tentaria invadir um
local dirigido e protegido por militares. E ele olhava, sem expressão, para a
vida que corria à sua frente. Via de um lado o casal de idosos atravessando a
rua, enquanto do outro, jovens, com mochilas nas costas e cartolinas pintadas, anunciavam
uma mudança no cenário federal.
Talvez ele pensasse
que seria inútil alertá-los que nada mudaria instantaneamente. O governo ainda
será mantido durante um bom tempo sob a regência de seres corruptos que
pregarão a utopia enquanto fartarão os bolsos de dinheiro público. Mas os
deixem gritar e perturbar os mais velhos com suas ideias revolucionárias,
concluiria. Para ele tanto fazia, afinal quem se importa realmente com as
opiniões de um soldado, pensou. Ele observava cada detalhe da paisagem que
mudara com a chegada do outono, as folhas caindo dos ipês, os troncos nus
mostrando a impassibilidade que os dominava e dominava também o coração de
chumbo dele.
E assim passavam-se
dias e noites, semanas, meses, estações. O soldado sempre na guarita,
imponente, porém oculto, camuflado, pronto para agir na guerra, contudo sem
ação para o mundo que o cerca: o amor, as amizades, e os momentos que fazem a
vida valer a pena. As atenções do povo se curvam, atualmente, ao comércio, às
liquidações fora de época e à televisão, que com sua mídia controladora censura
o conhecimento que é direito de todo e qualquer cidadão. Porém a minha, hoje,
abdicou a tudo isso para demonstrar que existe uma vida, muitas vezes oprimida
e desvalorizada, mas que deve ser reconhecida e estimada, tratando-se, em
muitos casos, da única oportunidade que o jovem menos favorecido encontra como
forma de garantir um futuro, que habita um mísero octógono na ponta do muro do
regimento, e que ali forma sua consciência de mundo e de valores: o humilde e
patriota sentinela.