Querida Elis,
Como vai essa
força aí nas alturas, do lado direito de nosso senhor? O Brasil perdeu a graça
depois que você se foi... Pra que tanto remédio minha amiga? Era só esfriar um
pouco a cuca, deitar na areia da praia e sentir a onda bater no seu pé! Muita
coisa mudou desde a sua partida, mas ainda hoje te aclamam como a verdadeira
voz da música popular brasileira.
O que me traz
aqui, além de ser seu fã, e um maníaco por suas canções, é que me sinto na
obrigação de cumprir o meu papel de bom brasileiro e te dizer obrigado.
Obrigado por abrilhantar os palcos do mundo com sua voz inigualável, e mostrar
sua cara de filha que não foge à luta, mesmo estando o governo nas mãos dos
famosos gorilas de outrora. Agora a coisa não mudou muito de figura: o país
saiu das mãos de uma presidenta despreparada, para se abrigar na ganância de um
caquético de direita... O que será de nós? Ainda bem que você já se livrou
desses problemas mundanos! Sorte a sua!
Obrigado por nos
deixar embarcar no trem azul de seu sorriso, e ver a inútil paisagem que
dominava o horizonte. Um retrato em preto e branco de uma chuva na roseira, e
águas de março, de abril, de maio, e de todos os outros meses que fecham não só
o verão como também as três estações que restam. Obrigado por ser a bêbada
equilibrista que levava o mundo nas mãos, o mundo de Maria, Madalena, Tom,
Chico, Milton, Renato e tantos outros, cujas canções correram os ouvidos do
planeta numa travessia incansável no lombo de sua voz.
Obrigado por não
nos deixar agir como nossos pais, por nos dar força, fé e faca amolada para
seguirmos juntos pela Bahia-Minas, estrada natural, e fazermos do Brasil uma
aquarela. Obrigado por vestir sempre a velha roupa colorida e, de braços dados
com o menino das laranjas, fazer um arrastão em nossos corações cada vez que
abria a boca.
Elis, mulher de
atitude e de coragem, que morreu pela maldade do homem por querer te prender na
redoma machista de conceitos da época da carochinha, você se foi pra que o
mundo aprendesse a te dar seu mais que merecido valor. Hoje te glorificam, mas
ontem te negaram espaço, te calaram a boca, te fizeram chorar.
Deixe-os, minha
querida, que agora morram sem o seu perdão. Será, com toda certeza, a pior e
mais árdua de suas vinganças. Deixe-os descobrir em meio a lágrimas que Elis só
existiu uma, a que eles mataram por tentarem se meter no seu caminho. Que você
possa sentir o calor dos braços da nuvem mais fofa dessas terras de lá por onde
agora passeia livremente. A mim ficam suas gravações, impecáveis, como forma de
matar a saudade de quem eu nunca conheci.
Os mais sinceros
beijos de seu amigo desconhecido, mas que um dia vai ainda se encontrar contigo
e agradecer pessoalmente por você ter sido, simplesmente: Elis,
__Alfredo Vaz Quintela_______