sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Carta à Pimentinha

Querida Elis,
                Como vai essa força aí nas alturas, do lado direito de nosso senhor? O Brasil perdeu a graça depois que você se foi... Pra que tanto remédio minha amiga? Era só esfriar um pouco a cuca, deitar na areia da praia e sentir a onda bater no seu pé! Muita coisa mudou desde a sua partida, mas ainda hoje te aclamam como a verdadeira voz da música popular brasileira.
                O que me traz aqui, além de ser seu fã, e um maníaco por suas canções, é que me sinto na obrigação de cumprir o meu papel de bom brasileiro e te dizer obrigado. Obrigado por abrilhantar os palcos do mundo com sua voz inigualável, e mostrar sua cara de filha que não foge à luta, mesmo estando o governo nas mãos dos famosos gorilas de outrora. Agora a coisa não mudou muito de figura: o país saiu das mãos de uma presidenta despreparada, para se abrigar na ganância de um caquético de direita... O que será de nós? Ainda bem que você já se livrou desses problemas mundanos! Sorte a sua!
                Obrigado por nos deixar embarcar no trem azul de seu sorriso, e ver a inútil paisagem que dominava o horizonte. Um retrato em preto e branco de uma chuva na roseira, e águas de março, de abril, de maio, e de todos os outros meses que fecham não só o verão como também as três estações que restam. Obrigado por ser a bêbada equilibrista que levava o mundo nas mãos, o mundo de Maria, Madalena, Tom, Chico, Milton, Renato e tantos outros, cujas canções correram os ouvidos do planeta numa travessia incansável no lombo de sua voz.
                Obrigado por não nos deixar agir como nossos pais, por nos dar força, fé e faca amolada para seguirmos juntos pela Bahia-Minas, estrada natural, e fazermos do Brasil uma aquarela. Obrigado por vestir sempre a velha roupa colorida e, de braços dados com o menino das laranjas, fazer um arrastão em nossos corações cada vez que abria a boca.
                Elis, mulher de atitude e de coragem, que morreu pela maldade do homem por querer te prender na redoma machista de conceitos da época da carochinha, você se foi pra que o mundo aprendesse a te dar seu mais que merecido valor. Hoje te glorificam, mas ontem te negaram espaço, te calaram a boca, te fizeram chorar.
                Deixe-os, minha querida, que agora morram sem o seu perdão. Será, com toda certeza, a pior e mais árdua de suas vinganças. Deixe-os descobrir em meio a lágrimas que Elis só existiu uma, a que eles mataram por tentarem se meter no seu caminho. Que você possa sentir o calor dos braços da nuvem mais fofa dessas terras de lá por onde agora passeia livremente. A mim ficam suas gravações, impecáveis, como forma de matar a saudade de quem eu nunca conheci.
                Os mais sinceros beijos de seu amigo desconhecido, mas que um dia vai ainda se encontrar contigo e agradecer pessoalmente por você ter sido, simplesmente: Elis,



__Alfredo Vaz Quintela_______