sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Carta à Pimentinha

Querida Elis,
                Como vai essa força aí nas alturas, do lado direito de nosso senhor? O Brasil perdeu a graça depois que você se foi... Pra que tanto remédio minha amiga? Era só esfriar um pouco a cuca, deitar na areia da praia e sentir a onda bater no seu pé! Muita coisa mudou desde a sua partida, mas ainda hoje te aclamam como a verdadeira voz da música popular brasileira.
                O que me traz aqui, além de ser seu fã, e um maníaco por suas canções, é que me sinto na obrigação de cumprir o meu papel de bom brasileiro e te dizer obrigado. Obrigado por abrilhantar os palcos do mundo com sua voz inigualável, e mostrar sua cara de filha que não foge à luta, mesmo estando o governo nas mãos dos famosos gorilas de outrora. Agora a coisa não mudou muito de figura: o país saiu das mãos de uma presidenta despreparada, para se abrigar na ganância de um caquético de direita... O que será de nós? Ainda bem que você já se livrou desses problemas mundanos! Sorte a sua!
                Obrigado por nos deixar embarcar no trem azul de seu sorriso, e ver a inútil paisagem que dominava o horizonte. Um retrato em preto e branco de uma chuva na roseira, e águas de março, de abril, de maio, e de todos os outros meses que fecham não só o verão como também as três estações que restam. Obrigado por ser a bêbada equilibrista que levava o mundo nas mãos, o mundo de Maria, Madalena, Tom, Chico, Milton, Renato e tantos outros, cujas canções correram os ouvidos do planeta numa travessia incansável no lombo de sua voz.
                Obrigado por não nos deixar agir como nossos pais, por nos dar força, fé e faca amolada para seguirmos juntos pela Bahia-Minas, estrada natural, e fazermos do Brasil uma aquarela. Obrigado por vestir sempre a velha roupa colorida e, de braços dados com o menino das laranjas, fazer um arrastão em nossos corações cada vez que abria a boca.
                Elis, mulher de atitude e de coragem, que morreu pela maldade do homem por querer te prender na redoma machista de conceitos da época da carochinha, você se foi pra que o mundo aprendesse a te dar seu mais que merecido valor. Hoje te glorificam, mas ontem te negaram espaço, te calaram a boca, te fizeram chorar.
                Deixe-os, minha querida, que agora morram sem o seu perdão. Será, com toda certeza, a pior e mais árdua de suas vinganças. Deixe-os descobrir em meio a lágrimas que Elis só existiu uma, a que eles mataram por tentarem se meter no seu caminho. Que você possa sentir o calor dos braços da nuvem mais fofa dessas terras de lá por onde agora passeia livremente. A mim ficam suas gravações, impecáveis, como forma de matar a saudade de quem eu nunca conheci.
                Os mais sinceros beijos de seu amigo desconhecido, mas que um dia vai ainda se encontrar contigo e agradecer pessoalmente por você ter sido, simplesmente: Elis,



__Alfredo Vaz Quintela_______

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Experiência

O corpo em dormência,
E a alma em carência,
Suspiram demência,
Refletem ciência,
E na confluência,
De uma experiência,
Com muita decência,
Assumem gerência,
Numa residência,
Com muita fluência,
 Pouca paciência.

Sem perder essência,
Tão pouco aparência,
Na certa cadência,
Na pura inocência,
E sem turbulência,
Com benevolência,
Com grandiloquência,
Fazem referência,
À não-violência,
Com muita clemência.

E na transferência,
Dessa resistência,
Geram excelência,
E mui competência,
Na subsistência,
Pois, da consciência,
Da doce existência,
De uma adolescência.


terça-feira, 12 de julho de 2016

!

Dormem no céu os leitores de olhares!
Pr’o mar foram os valores humanos!
Bandeira tem o mapa de Pasárgada!
Na memória vão os passados anos!

O vento levou o riso da menina!
Não escrevo, rio ou choro um poema!
Rebelde sou por isso eu amo o mundo!
Certezas... Esse sim um belo tema!

O sal é triste e está no mar, nas lágrimas!
Nada será do corpo sem a alma!
Nada se ganha em lembrar do que é findo!
Reze com fé enquanto queima a palma!

Somente o agora é o que interessa a nós!
Um novo amor se esconde no horizonte!
Tudo era nada antes do “Big Bang”!
Como um cinto, cortou o rio, a ponte!

A todos nós sorri a Mona Lisa!
A morte é outra vida mui bonita!
O amor, ao mundo todo, pode unir!
O ferro escorre d’alma da hematita!

As almas vêem-se no café, no céu!
O meu amor mora no fim do universo!
A paz já reina e sempre reinará!

Assim será o meu derradeiro verso!

segunda-feira, 11 de julho de 2016

?

 Onde dormem os leitores de olhares?
Pr ’onde foram os valores humanos?
Quem tem em mãos o mapa de Pasárgada?
Por onde passam os passados anos?

Quem roubou o sorriso da menina?
Como eu consigo escrever um poema?
Por que insisto em ter amor ao mundo?
Dúvidas... Será esse um belo tema?

Por que, salgados, são o mar e as lágrimas?
O que será do corpo sem a alma?
Pra que recordar do que já se é findo?
Como parar chuva queimando a palma?

Depois do agora o que será de nós?
O que se esconde além de um horizonte?
Como era o tudo antes do “Big Bang”?
Como fragmentou o riacho, a ponte?

Pra quem sorri, de leve, a Mona Lisa?
Por que há morte, se a vida é bonita?
Como consegue o amor, a dois, unir?
Por onde sai o ferro da hematita?

Onde se encontram as almas no céu?
Quem é que mora no fim do universo?
Será que a paz, um dia, reinará?
Como será o meu derradeiro verso?





quinta-feira, 30 de junho de 2016

A vida do sentinela

           Andando pelas ruas da cidade, cada dia percebo algo novo que, ora transformo em poesia ou crônica, ora guardo secretamente no coração como uma lição de vida. E hoje, ao passar em frente ao 13º regimento de cavalaria de minha cidade, deparei-me com uma cena quase nunca percebida pelas pessoas apressadas que, driblando o tempo, o dinheiro e a felicidade, são capazes de tudo para fortalecer esse sistema capitalista desumano que se encontra numa forte crise: um soldado, em sua torre octogonal observava a vida da rua.
Incumbido, por alguém de cargo militar superior, a fixar sua visão sobre a parte externa do regimento, agindo caso houvesse alguma tentativa de invasão, o que acho um tanto quanto insana, visto que ninguém em sã consciência tentaria invadir um local dirigido e protegido por militares. E ele olhava, sem expressão, para a vida que corria à sua frente. Via de um lado o casal de idosos atravessando a rua, enquanto do outro, jovens, com mochilas nas costas e cartolinas pintadas, anunciavam uma mudança no cenário federal.
Talvez ele pensasse que seria inútil alertá-los que nada mudaria instantaneamente. O governo ainda será mantido durante um bom tempo sob a regência de seres corruptos que pregarão a utopia enquanto fartarão os bolsos de dinheiro público. Mas os deixem gritar e perturbar os mais velhos com suas ideias revolucionárias, concluiria. Para ele tanto fazia, afinal quem se importa realmente com as opiniões de um soldado, pensou. Ele observava cada detalhe da paisagem que mudara com a chegada do outono, as folhas caindo dos ipês, os troncos nus mostrando a impassibilidade que os dominava e dominava também o coração de chumbo dele.

E assim passavam-se dias e noites, semanas, meses, estações. O soldado sempre na guarita, imponente, porém oculto, camuflado, pronto para agir na guerra, contudo sem ação para o mundo que o cerca: o amor, as amizades, e os momentos que fazem a vida valer a pena. As atenções do povo se curvam, atualmente, ao comércio, às liquidações fora de época e à televisão, que com sua mídia controladora censura o conhecimento que é direito de todo e qualquer cidadão. Porém a minha, hoje, abdicou a tudo isso para demonstrar que existe uma vida, muitas vezes oprimida e desvalorizada, mas que deve ser reconhecida e estimada, tratando-se, em muitos casos, da única oportunidade que o jovem menos favorecido encontra como forma de garantir um futuro, que habita um mísero octógono na ponta do muro do regimento, e que ali forma sua consciência de mundo e de valores: o humilde e patriota sentinela.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ao tempo

Relógios do mundo, parai.
Rotação dos astros, cessai.
Deem-me a chance de poder respirar.
Tempo, que passa como luz,
Vida que nasce morrendo,
Deem-me a chance de poder amar.
Tu, imperialista universal,
Inevitável a qualquer matéria,
E até mesmo à ausência dela,
Seja digno de teu nome e dê-me tempo.
Tempo, eu quero tempo,
Antes que o tempo mude,
E desça, molhando nosso solo gasto,
As lágrimas de um povo que clama por liberdade.
As folhas caem, as flores brotam,
Enchendo de alegria todo o jardim.
O outono chega, e os troncos ficam nus.
A chuva cai, desce o leito fluvial,
Deságua no oceano e evapora,
Levando consigo nossas tristezas e decepções.
Tu, e somente tu, és capaz de fazer com que,
Dos primeiros grãos de terra 
colocados sobre o galho do ipê,
Venha a nascer o castelo do João-de-barro.
O menino nasce, e tu fazes com que ele cresça,
Mais e mais e mais e mais,
Envelhecendo graças a tua impiedade.
És bom e ruim, és pacato e severo,
És indesejado e necessário.
Tu, tempo que agora passa,
Voando de asas abertas sobre todos,
Soprado pelo vento que vem de lá,
Anuncias o pôr do sol e o nascer da lua.
É preciso, entretanto, aprender a te amar,
Chegando assim ao segredo do saber viver.
Levas nossos amores, nossas dores,
Nossas dúvidas e certezas,
E nos prepara a cada dia para sermos,
Apesar de tudo,
Mais fortes, sábios e felizes.
E, sentado na cadeira do escritório,
Eu, na condição de teu escravo,
Aprendi que é preciso tempo para lidar com o senhor.
Peço-te um pouco de paciência.
Pois agora eu fujo do tempus fugit.

domingo, 5 de junho de 2016

Café

A mesa do café estava posta.
O relógio da sala, antigo cuco,
Herança do avô materno,
Anunciava cinco horas.
Lá fora o vento soprava frio e manso,
Penteando o topete das árvores,
Levando ao longe tristezas e decepções.
O bem-te-vi pousou no parapeito,
Olhou aguçado para o bolo de fubá,
Que inundava a saleta com seu cheiro brasileiro.
O bule de prata majestoso se fazia,
Pois em suas mãos estava a alma daquela simples tarde:
O café preto que esquenta e conforta,
Quando o bebemos reunidos em família,
Juntos como um só indivíduo,
Abjetos ao pecado e à maldade,
Puros,
Em viva comunhão com a natureza.
Pois brotou, ele, da nossa mãe-terra,
Que tanto é explorada e consumida,
Pelo dinheiro, pela posse e por poder.
Colhido pelas mãos dos, já cansados,
Escravos de um sistema sem justiça,
E saboreado pela boca da jovem rica,
Vestida de seda, com sapatos azuis.
Esse mesmo café, presente naquela mesa,
E em outras tantas deste vasto mundo,
Faz-se bebida de inenarrável importância,
Gosto de paz,
Cheiro de alegria.
Ao me embebedar com o sabor divino,
A Deus e a todos os santos agradeço,
Porque fizeram de mim digno de seu consumo.
Que eu possa, nessa tarde,
Cujas flores sorriem apaixonadas,
Pelo sol que as banha galanteador,
Pedir por um mundo com mais amor,
E tomar, com fé, café.


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Conselho à Pauliceia

Quero armar uma rede nos troncos,
Das árvores-topetes de tua prefeitura.
E, em plena sexta fazer a sesta depois da cesta de frutas,
Que comprei no Mercadão.
E num enleio curioso, afastar a nuvem carbônica de teu rosto,
Para melhor poder ver-te e apreciar-te.
Apreciar a arte de suas ruas,
Azulejos pintados,
Muros grafitados,
Bêbedos desengonçados,
Gaiatos apaixonados,
Músicos desafinados.
Linhas de ferro que te cortam sem perdão,
E levam, em altas velocidades,
Alienados ao trabalho, ao plantão.
Tua gente não se satisfaz com nada,
Não foge à luta por um mundo melhor.
Protestos no vão.
Protestos em vão.
E tu sambas, bela Sampa,
Alegre ao ver que podes acumular
O capital, que te criou em berço de ouro,
Explorando quem tu vestes de ilusões.
Tu, cidade dos teatros e cinemas,
Cultura burguesa que se vê ameaçada,
Pela arte periférica que te inunda cada dia mais.
Riscos gelados, retos e impassíveis,
Traçam o corpo de seus prédios modernistas,
Que contrastam com a curva delicada e harmoniosa,
Dos casarões que hoje abrigam teus cortiços.
Greves não breves assombram o futuro de suas mentes infantis,
E pregam a ignorância futura nas mentes ainda não nascidas.
Colocas, tu, sua máscara benigna,
Com as esperanças enraizadas do Ibirapuera,
Com a gastronomia de fazer inveja à França,
Com belíssimas catedrais que fazem vidrar os olhos dos fãs católicos,
Para todos passarem sem ver realmente quem és tu.
Para não verem os mendigos que,
Sob viadutos, pontes, e teu imenso desprezo,
Ajeitam papelões e jornais para sonharem com um mundo mais igual.
Não espero de ti o sonho feliz de cidade,
Mas espero um sonho: cidade feliz.
Que tu possas, nesses mais de quatrocentos anos,
De uma vida dedicada ao lucro,
E à Belle Époque que nunca se instalou em ti,
Ainda se recuperar e virar esta página infeliz do seu livro de memórias.
Tu, terra da garoa,
Em parte ruim, em parte boa,
Com seus erros e seus acertos,
Faz-nos dependentes de sua existência.
Apesar de tudo,
De todos os seus avarentos,
De seus tão tristes momentos,
Eu bem que ainda tento:
Dizer tudo isso por que te amo São Paulo.
Faça-te digna do nome de teu santo.
Assim como Paulo abriu os olhos a Deus,
Abra bem os olhos, e olhe para os habitantes teus.





terça-feira, 3 de maio de 2016

Capitolina

A Machado de Assis


Oh! Flor do céu! oh! flor cândida e pura!
Que Deus, no mundo, colocou sem medo,
Rosto esculpido em pedra de ternura,
Obliquidade que esconde segredo

Nos olhos teus, onde a habita a doçura,
Tens, tu, do mar, a cópia, no enredo,
Consome o tempo, abocanha a figura,
Na tua ressaca, pois, eu me embebedo

Não te podes defender-se do marido,
Que, de ti, muitas falácias espalha,
Por parecer, do ciúme, preenchido

Contudo deixa-te viver com falhas.
Penses que nem tudo está desvalido:
Ganha-se a vida, perde-se a batalha.




quinta-feira, 28 de abril de 2016

Liquidificador

Desliguei o telefone.
Sentei na cadeira da cozinha.
Lembrei do passeio no parque.
Das promessas, das juras.
Lembrei das viagens planejadas.
Do sorriso de menina dela.
E chorei,
Olhei para a pia e ele estava lá,
Imponente,
Pronto para me ajudar.
Liquidificador,
Liquidifica a dor,
Que ela plantou em meu coração.

Gabriela

A Jorge Amado

A morena de cor de canela,
Com perfume de cravo,
Cabelos negros, lisos e soltos,
Banha-se no rio.

O corpo da virgem baiana,
Deixa-se levar no leito materno do planeta,
Pelas águas doces,
Porém não tão doces quanto o beijo dela.

Ah! Como eu queria poder ser aquelas ondas
Tranquilas que colorem o corpo de Gabriela.

Salve Jorge, seu criador,
Que nos presenteou com essa obra prima.
Juro-te, Gabriela, amor eterno.
Quero ser seu moço bonito,
E me achar em seus braços,
Em meio a abraços,
Que nem o tempo poderá pôr fim.


quinta-feira, 21 de abril de 2016

Juramento

Como aprendiz de poeta,
Um aluno da poesia,
Juro cumprir minha meta,
Levar, ao mundo, alegria

Alertar o que é errado,
Mostrar, sobretudo, amor,
Do povo desesperado,
Afastar, pra sempre, a dor

Juro cumprir a sentença,
De forma muito serena,
E seguindo minha crença,
Fazer, pois, valer a pena,
Que me deste em recompensa,
De alguma ideia pequena.

P.S.: Fazer valer a pena, a tinta e o papel, sempre.


quarta-feira, 13 de abril de 2016

Da janela

Da janela do meu apartamento,
Vi as costas de um crocodilo virar a Mantiqueira,
Vi a joaninha virar sol quando se põe,
Vi pessoas virarem formigas,
Andando numa fila indiana para o trabalho na fábrica.
Pequenos alienados tais como máquinas.
Vi serpentes de fogo virarem pipas,
Que colorem o céu do meu país já tão sem cor.
Vi milhos jogados no asfalto virarem táxis,
Vi um monstro de poeira virar monóxido de carbono,
Que nos mata por dentro a cada instante que saímos às ruas.

Da janela do meu apartamento,
Vi uma cobra cor de prata virar trem,
Que traz o ferro roubado das Minas Gerais.
Vi pequenos caixotes virarem importantes escritórios,
Onde trabalham advogados importantes.
Vi uma poça d’água virar mar,
Virar o oceano que nos trouxe a língua.
Vi poucos pontos verdes,
Tais como nuvenzinhas de esperança,
Virarem árvores da praça.

Da janela do meu apartamento,
Vi grandes flechas que querem chegar a Deus virarem arranha-céus.
Vi jogos da velha cinzas e sem graças virarem cruzamentos de avenidas.
Vi um sorriso torto virar lua,
Vi vaga-lumes brancos virarem estrelas,
Vi teias de aranhas virarem fios que correm pelos postes,
Levando luz e saudades pelos espirais de cobre.
E vi também, noutra janela a me olhar,
Uma moça que me lançou um sorriso.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Conselho Árcade

Fuja da cidade.
Corte os excessos.
Liberte-se.
Vá a um lugar agradável.
Busque a espiritualidade.
Nirvane-se.
E corra, brinque, ame, aproveite o dia.
Porque o tempo não para.

domingo, 3 de abril de 2016

Caminhos

Amigo, por favor, tome cuidado,
Pois a vida não é um mar de rosas,
Há tempestades muito tenebrosas,
Que encharcam o caminho que é pisado

O andar vai se tornando complicado,
A marcha torna-se mais vagarosa,
Mas sem deixar de ser esperançosa,
Desbrava o tal caminhado enlameado

Outra vez, contudo, pode se abrir
Bifurcações que pedem uma escolha:
"Em qual seguir?" Tenha grande prudência

Pense muito em como vai, pois, agir,
Espero que bem plante e que bem colha,
Lembre-se: Em tudo há uma consequência.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Máscaras

Pra tudo ela tinha máscara.
Uma lisa, uma áspera,
Uma triste, uma feliz.

E elas lhe davam nomes,
E problemas tão enormes,
Como os que ela nunca quis.

Ela não era tão forte,
Não tinha lá grande sorte,
Em conseguir amizades

Portanto ela as colocava,
E alegremente bailava,
Pelas ruas da cidade.

Tinha máscaras pra vida,
Pra guerra que foi perdida,
Pra vitória conquistada

E de papel as fazia,
A que de leve sorria,
E a triste, já amassada

E nesse mundo estranho,
Sem muitas perdas nem ganhos,
Ela as seca no varal

Para estarem todas prontas,
Para os desafios que encontra,

Na vida: um carnaval.

Navegador


Usina eólica


sexta-feira, 11 de março de 2016

Concílio

A São João XXIII

A avó teve medo de Deus,
Quando era criança.
Mas o mesmo Deus,
Severo e impiedoso,
Tornou-se o melhor amigo,
Da neta que agora crescia.
Foi tudo uma questão de concílio.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Para a poesia

Minha querida poesia,
Meu amor, minha alegria,
Venho hoje, a ti, falar

Que no nosso dia a dia,
Eu aprendi (quem diria!)
Que nasci para te amar

Você, a minha obra prima,
Mesmo quando não tem rima,
Parece, ao mundo, dizer

Que quem, do bem, se aproxima,
E que, aos outros, muito estima,
Sabe como se viver

Não tem medo, pois critica,
Ensina e dignifica,
A raça do ser humano

Ao mal, pois, sempre abdica,
Contra ele, lições, aplica,
Faz sensato o que é insano

Leva amor e mui carinho,
Ao coração que é sozinho,
Dando-lhe um pouco de paz

E aos que não possuem ninho,
Tal perdido passarinho,
Da esperança, um ninho, faz

E é por isso que te adoro,
Por ti toda noite oro,
Para que pra sempre exista

Pois de ti eu me decoro,
E com você, pois, namoro,
Amor à primeira vista.

sábado, 5 de março de 2016

Brasil - 20

20 – Acróstico

Brasil eu sou. Vivo
Rindo daqueles que querem me levantar.
Assim nasci e assim vou morrer.
Sem ter um pingo de organização.
Incumbido apenas de
Levar risadas para o mundo afora.

Brasil - 19

19 – Democracia brasileira

Já diz a palavra, o governo do demo.

Brasil - 18

18 – Dúvida

“Um país se faz com homens e com livros”.
Mas o que fazer com homens que jogam livros
no lixo?

Brasil - 17

17 – Bandeira

O verde das matas que deixam saudade.
O amarelo do ouro que acabou.
O azul dos rios que secaram.
As estrelas que o concreto nos impede de enxergar.
E agora? Como será nossa bandeira?
Qual a cor da corrupção?

Brasil - 16

16 – Quintal

Os EUA criam animais domésticos em seu quintal:
a América Latrina.

Brasil - 15

15 – Brasileiro

E o acéfalo foi dormir,
Depois de tomar uma cerveja,
E por a culpa do estrago no Brasil,
            No governo.

Brasil - 14

14 – R.I.P.

Descanse em paz,
Rio que já foi Doce.
Que, agora, sejam doces,
As lágrimas de Mariana.

Brasil - 13

13 – 13
                                                                           
Será número da sorte?
Será número de azar?
Levou o Brasil à morte,
Pois, na urna quis entrar.

Brasil - 12

12 – O bonde

O bonde da crise,
Parou na estação Brasil,
E aqui ficou a enferrujar suas rodas.

Brasil - 11

11 – 5x0 em 2014

Ariano Suassuna
João Ubaldo Ribeiro
Ivan Junqueira
Manoel de Barros
Rubem Alves.
     5x0 em 2014.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Brasil - 10

10 – Navegação

Professores navegam no mar,
Do baixo salário,
Do desrespeito,
Da má vontade.
Alunos navegam no mar,
Da ignorância,
Do desinteresse,
Da preguiça.

Brasil - 9

9 – Protesto

Tem gente que vai pra rua,
Pra pedir aumento de salário,
Ou tirar presidente do cargo.
Por que ninguém vai pra rua,
Pelos meninos de rua?

Brasil - 8

8 – República

Isso não podia mesmo dar certo,
Uma república, proclamada por um monarquista.

Brasil - 7

7 – Independência

“Independência ou morte!”
Viu-se Portugal livre do Brasil.
Que frase deve-se usar,
Para ver os brasileiros livres dos EUA?

Brasil - 6

6 – Semente

“Nela, em se plantando tudo dá.”
Um ladrão, certa vez, foi enterrado nesta terra.
Hoje, vemos que ela é boa.
Há mais de 500 anos, ainda distribui frutos.

Brasil - 5

5 – Libertas quae será tamen

Chega de escravidão!
Há 127 anos uma pena nas mãos de uma princesa,
Quis acabar com isso.
Coitada!
A mão nem mais existe,
Mas há escravos por todo lado.
Até quando?

Brasil - 4

4 – Brasil Colônia

Cana, ouro, café.
Ouro, café, cana.
Café, cana, ouro.
E o mundo rindo de nós.

Brasil - 3

3 - Descobrimento

A luneta de Cabral estava suja.
Avistou-se um Monte.
Nativos expondo suas vergonhas.
Milhares de alqueires de Pau-brasil.
“Essa terra é boa, vamos descer!”
Coitado.
Estava descoberto o Brasil.

Brasil - 2

2 - Terra de Santa Cruz

Um velho historiador,
já com muitas primaveras,
Disse-me um dia:
“Seríamos melhor, se fôssemos, ainda,
Terra de Santa Cruz.”

Brasil - 1

1- Sufixos

O sufixo ‘eiro’ indica profissões
menos valorizadas da sociedade.
É por isso que somos brasileiros.
Trabalhadores que nascem,
para nunca serem valorizados.
Os sufixos ‘ano’ e ‘ês’ indicam nacionalidade.
Talvez um dia,
quando o Brasil se ver desenvolvido,
Possamos ser brasilianos.
Será um dia de festa!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Conversa com uma criança

Um dia perguntei a uma criança,
O que era o orvalho matinal,
Que eu via sobre a pétala da flor.
E ela me disse que era o choro,
De Deus quando teve lembrança,
Do mundo quando tinha amor.
E antes que eu perguntasse novamente,
Ainda disse que a gota que lá ficou,
Presa na pétala da rosa vermelha,
Mostrava a esperança que Deus tinha,

Em querer ver o mundo mais feliz.

Ode à caneta

E numa devoção quase escrava,
Mostrando a nós sua maior função,
Ela escorre por um lado e outro do papel,
Formando palavras com sua amarga tinta.
Obedecendo ao comando do poeta,
Seu instrutor,
Transforma em real suas imaginações.
Desenha cada frase da poesia,
Como o pintor faria uma Madonna.
Autora-mor das coisas, pois, escritas,
Perdoe-me a audácia de lhe dizer,
Obrigado por fixar nesse momento,
Nesse humilde pedaço de papel,
Essa poesia que, então, faço pra você.


A máquina

A máquina do coração quebrou,
E de tão velha e triste e enferrujada,
Cheia de dor, vazia de emoção,
Não teve gente que a pudesse consertar.
Cada um, à sua maneira tentou,
Porém somente quando ela chegou,
Ela mesma, doce donzela de tempos atrás,
É que a máquina do coração voltou,
A bater, a amar, a funcionar e a viver.
Pois o que a maquina do coração precisa,

É do óleo bom que escorre do verdadeiro amor.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Suíte Vidas Secas

Suíte Vidas Secas

A Graciliano Ramos

Fabiano

As alpercatas batiam no chão seco da caatinga.
Abaixou-se,
bebeu da água que minava da lama.
Comeu o papagaio por ele não saber falar nada.
Fabiano também não sabia.
Necessidade.
Matou a cachorra-irmã por ela estar doente.
Necessidade.
Necessidade de ser um fabiano, retirante mundano, que coça a barba e acende um cigarro de palha para comemorar a descoberta de um abrigo.
Vaqueiro, profissão do pai, do avô, dos filhos.
Filhos, falta de paciência.
Ergue a voz, cadeia.
Tenta falar difícil, cadeia.
Ia matar, não matou.
Abaixou a cabeça.
Necessidade.
Nasceu pra ser submisso.
E andar caminhando por aí.
Sendo bicho por aí.
Eis o seu maior motivo de orgulho.


Sinha Vitória

Passos espertos cortam o sertão.
Mãos frias e ásperas carregam filhos, dores, papagaio que já não existe mais, saudades, medos, inseguranças: malas da vida.
Os dedos dos pés abertos como um papagaio.
O medo da seca toma conta do seu coração.
Vai ver o jantar.
Ajuda o marido nas contas da casa.
Da janela, já comida pelo tempo, observa os filhos que brincam construindo mundos de barro que secam ao sol.
Sorri.
A seca não vai voltar.
Reclama do ronco de Fabiano.
Recolhe os meninos, a noite já vem.
Janta e deita na cama de varas.
E segue sonhando acordada, em um dia de primavera,
poder dormir numa cama de lastro de couro,
tal como a do seu Tomás da bolandeira.

O menino mais novo

E o vago desejo criou raízes na pobre cabeça.
Queria impressionar o irmão e a cachorra.
Fabiano, um ídolo.
Quem dera o menino fosse como ele.
Queria ser vaqueiro.
Só.
Via no pai a figura do homem mais corajoso do mundo.
Inventou de subir no bode para imitá-lo.
Coitado!
Em instantes estava jogado no chão.
E do chão, erguendo a pobre cabeça,
criou um mundo azul em meio às nuvens,
onde uma nuvem grande parecia Fabiano.
Ídolo.
Pai.
Vaqueiro.
Queria, um dia, ser como ele!


O menino mais velho

Maldita boca de sinha Terta.
Que tinha de falar em inferno?
A palavra maldita fez morada em sua cabeça.
Curioso que só, foi à mãe.
- O que é inferno?
- Ora moleque, diabo, chifres, tridentes, fogo, coisa ruim, seca.
Cabisbaixo, foi ao pai.
- Arreda, excomungado. Não tenho tempo.
Triste, contou histórias fantásticas para Baleia, que tudo ouvia com grande admiração.
Mas o que era inferno, meu Deus?
Era bom?
Era mal?
Inferno seria o chiqueiro? O curral? A serra?
Não.
Por ironia do destino, o inferno que o menino procurava já estava, há tempos, no seu simples dia-a-dia.


Baleia

Sentiu que já era velha demais.
O corpo cansado era comido por mosquitos.
Fabiano decidiu matá-la.
Como sentindo o cheiro da morte,
buscou forças da alma ainda boa,
para desviar-se dele.
Sinha Vitória tapou os ouvidos dos filhos que choravam.
De repente, um tiro.
Numa sequência ilógica,
seus pensamentos e lembranças se misturaram com a chegada da morte.
A pedra quente perto do fogão que a esquentava de noite.
Os meninos.
A mão do pobre irmão Fabiano.
Sinha Vitória.
As vacas que corriam soltas.
Pega, pega, pega!
Um preá. Dois preás.

Um mundo de preás, gordos e enormes.