segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Paradoxo africano

Interessante abdicar da correria da vida para olhar para o lado. Interessante pensar que não somos, nós da América, únicos vivos nesse mundo de meu Deus. Curioso, talvez, recordar das aulas matutinas de Geografia, e se lembrar da Terra como uma grande Pangeia, continental, alheia ao caos que viria a tornar-se, depois da descoberta arrebatadora da consciência humana – o fogo. Deslumbrante pensar, por um instante, naquela porção central de terra do globo, hoje separada de nós pelo Oceano Atlântico.
Aquela sensação selvagem, irracional e exótica de observar o comportamento suplicante do chão que perfeitamente se encaixou, um dia, ao nosso. O chão de África é o chão da origem. Do barro dele nascemos todos, todos, sem exceção. Nossa primeira combinação gênica, aliada ao desenvolvimento racional, ao despertar de uma nova existência no Reino Animal, deu-se em África. Tudo o que conhecemos como homem, prestidigitadores da razão (?) e consciência (??), vem de África.
Mais interessante ainda, entretanto, é se dar conta de que tudo hoje é passado que naufraga em poucas mentes esquecidas. Basta virar o rosto, mirar os olhos à Mãe África, para termos a certeza do terrível paradoxo: no lugar em que primeiro se fez a vida, hoje de vida pouco mesmo há.
Padece África cortada no Congresso. Falece África no sangue de seus filhos – vermelho, não importa a epiderme – que escorre junto às lágrimas da mãe no leito forte do Nilo. Eis a primeira água que muito abasteceu ao homem e que hoje corre, de braços abertos, em desespero, ao Mediterrâneo que a salvará de nossas impurezas. Onde estão todos, para alguma ajuda? Onde? Como dormir com a certeza da fome que assola famílias, crianças? Para onde irão os sonhos não concretizados - não brinquedos, mas comida, não sucesso, mas saúde?
Interessante...
Em África o silêncio é admirado, como a presença de uma nova dimensão. Aqui, na terra em brasa, silêncio é primo do medo e irmão da insegurança, sendo logo quebrado por sinal de mau agouro. (“Morreu um padre...”). E o riso se faz largo, logo, longo, no lugar. Será que mesmo depois de tudo, não aprendemos ainda mais esse ensinamento de Mãe África? Silenciosamente ela apanha sem bater, ela sofre sem dizer, ela morre sem saber. Com ela brilha, branca, sobre nós, Nossa Senhora do Silêncio.
Mãe que, como todas, dá-se de corpo e alma aos filhos seus, África, inerente ao lucro, ao poder ou à glória capitalista, mostra-se verde, mesmo com poucas matas que hoje restam. De seus desertos, faz da areia algo sagrado, solo que um dia abrigou todos os homens. Mãe que, com amor, despe-se da máscara adulta, e ao vestir o manto da infância, braços abertos – tão doce acolhida – nos presenteia com o beijo tácito de quem só sabe amor nos devotar.
Que possamos nós, filhos ingratos, virar o rosto, esquecer problemas, casa, jogos, celular, para tomarmos parte desse sofrimento que assola quem ao nosso lado está, fraca, faminta, mas mãe de nossa estúpida raça. E como sementes, dada a nossa pequenez, fazer brotar a flor que hoje adormece pálida e murcha no coração materno de África.







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