quinta-feira, 30 de junho de 2016

A vida do sentinela

           Andando pelas ruas da cidade, cada dia percebo algo novo que, ora transformo em poesia ou crônica, ora guardo secretamente no coração como uma lição de vida. E hoje, ao passar em frente ao 13º regimento de cavalaria de minha cidade, deparei-me com uma cena quase nunca percebida pelas pessoas apressadas que, driblando o tempo, o dinheiro e a felicidade, são capazes de tudo para fortalecer esse sistema capitalista desumano que se encontra numa forte crise: um soldado, em sua torre octogonal observava a vida da rua.
Incumbido, por alguém de cargo militar superior, a fixar sua visão sobre a parte externa do regimento, agindo caso houvesse alguma tentativa de invasão, o que acho um tanto quanto insana, visto que ninguém em sã consciência tentaria invadir um local dirigido e protegido por militares. E ele olhava, sem expressão, para a vida que corria à sua frente. Via de um lado o casal de idosos atravessando a rua, enquanto do outro, jovens, com mochilas nas costas e cartolinas pintadas, anunciavam uma mudança no cenário federal.
Talvez ele pensasse que seria inútil alertá-los que nada mudaria instantaneamente. O governo ainda será mantido durante um bom tempo sob a regência de seres corruptos que pregarão a utopia enquanto fartarão os bolsos de dinheiro público. Mas os deixem gritar e perturbar os mais velhos com suas ideias revolucionárias, concluiria. Para ele tanto fazia, afinal quem se importa realmente com as opiniões de um soldado, pensou. Ele observava cada detalhe da paisagem que mudara com a chegada do outono, as folhas caindo dos ipês, os troncos nus mostrando a impassibilidade que os dominava e dominava também o coração de chumbo dele.

E assim passavam-se dias e noites, semanas, meses, estações. O soldado sempre na guarita, imponente, porém oculto, camuflado, pronto para agir na guerra, contudo sem ação para o mundo que o cerca: o amor, as amizades, e os momentos que fazem a vida valer a pena. As atenções do povo se curvam, atualmente, ao comércio, às liquidações fora de época e à televisão, que com sua mídia controladora censura o conhecimento que é direito de todo e qualquer cidadão. Porém a minha, hoje, abdicou a tudo isso para demonstrar que existe uma vida, muitas vezes oprimida e desvalorizada, mas que deve ser reconhecida e estimada, tratando-se, em muitos casos, da única oportunidade que o jovem menos favorecido encontra como forma de garantir um futuro, que habita um mísero octógono na ponta do muro do regimento, e que ali forma sua consciência de mundo e de valores: o humilde e patriota sentinela.

Um comentário:

  1. Quanta contradição, na vida de um militar!
    Sentindo- se um protetor, mas nem sempre conseguindo ser...
    O sonho de uma vida toda: cuidar e garantir a segurança de sua Nação!
    Sistematizado, embora essa nunca tivesse sido sua intenção...
    Recebendo ordens, por causa de sua patente menor...
    Abaixando a cabeça, mesmo sendo um Ser de opinião!
    O que pensa pouco importa, no trato com os seus compatriotas...
    Alguns se embrutessem!
    Mas, mesmo tendo que seguir um sistema, que de justo fica longe...
    Acaba por vezes se apiedando, de tantas vidas sem sentido! De tantos outros que também sonharam...uns que ainda sonham...
    As vezes perdido, em seus tantos devaneios!
    Poucos mandam, muitos obedecem...
    E assim segue a vida, de todo cidadão...como do soldado também...
    Muitos passam sem perceber, que alí adiante, tem alguém, que mesmo só, está sempre de prontidão...
    E que como ele próprio, também sonha, em ver um Mundo realmente justo, e afinal.. sem guerras!
    Mas aí, é que está a maior contradição...
    Se não há guerras, pra que soldados...quiçá sentinelas...

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